Por Assis Ângelo


Em tempo…

Mulheres brasileiras na literatura foram poucas, no início.

A primeira delas nem o próprio nome assinou no seu primeiro livro.

A nossa primeira romancista, já falei lá atrás, foi Maria Firmina dos Reis. O livro que essa pioneira publicou, sob o pseudônimo de “Uma Maranhense”, teve como título Úrsula.

Bom, o tempo passou e continua passando.

Continuamos aqui mergulhados na história da literatura brasileira, mais especialmente na chamada literatura erótica feita por escritores e escritoras.

O livro de Firmina dos Reis já aborda a questão amorosa dividida entre homens e mulheres. Tem até um triângulo amoroso nessa história.

No dia a dia brasileiro do século passado, retrasado, tivemos no Brasil mulheres como Nísia Floresta. E por aí vai…

A luta da mulher pela equidade de gênero data de muito tempo. Mas é agora que essa luta tem apresentado vitórias.

Amor, sexo, adultério, sensualidade, palavrões…

O palavrão é expressão que carregamos desde quando nos conhecemos por gente. É pra lá da antiguidade. Homens e mulheres, crianças e adultos.

Há dicionários de palavrões publicados mundo afora. Não são muitos, mas expressivos e necessários.

Na metade dos anos de 1970, o estudioso da cultura popular Mário Souto Maior publicou Dicionário do Palavrão e Termos Afins. Foi censurado, proibido. O Brasil, à época, vivia momentos terríveis de uma ditadura militar que durou 21 anos.

Esse livro, disse-me um dia o autor, existiu por sugestão do escritor e coisa e tal Gilberto Freyre. Seu amigo.

Palavrão faz parte do dia a dia, na rua ou/e em casa. É da língua.

No dia 16 de novembro de 2024 Rosângela Lula da Silva mandou um sonoro “vá se foder!” ao cara que mais dinheiro tem no mundo: Elon Musk, pra mim um cabra safado e sem escrúpulos.

Rosângela, 1ª dama do País, por todo mundo chamada de Janja, disse o que disse numa palestra sobre fake news.

O “vá se foder!” de Janja repercutiu enormemente. Ora positivamente, ora negativamente.

Eu, por mim, acho que Janja está coberta de razão.

Acho que foi em 1979, abril ou maio, quando eu e o amigo Ricardo Kotscho varamos uma madrugada na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Eu, Kotscho e Lula. Fumávamos igual Caipora. E dá-lhe café. Pernas arribadas na mesa, espontaneamente.

Ali pelo comecinho da manhã, cujo dia não me lembro, um assessor de Lula, então presidente do Sindicato, entrou dizendo que o interventor acabara de chegar.

Foi então que eu disse, cantarolando mal e desafinadamente a canção do Roberto, que diz: “O show já terminou…”. Foi eu dizendo isso e o Lula berrando: “FELA DA PUTA! VÁ SE FODER!”.

Surpreso, eu nem sabia bem o que dizer, mas disse: “Vá você!”.

Lula repreendeu Janja pela fala que falou ao mandar o todo poderoso Elon Musk se foder.

Eu acho Lula do caralho.

Nenhum presidente do Brasil fez o que faz Lula, ainda hoje.


Leolinda Figueiredo Daltro (1859-1935) foi uma das primeiras brasileiras a lutar a favor da cidadania feminina em todos os sentidos. Era baiana e de profissão enfermeira. Fundou jornais e pelo menos uma revista, Tribuna Feminina, no Rio, para onde se mudou em fins dos anos 80 do século 19. Promoveu discussão e até passeata que tinha a mulher como figura central.

Luiza Alzira Teixeira Soriano

Ao lado da poetisa Gilka Machado fundou o Partido Republicano Feminino (PRF).

Pouco antes da Revolução de 30 o voto feminino foi legalizado no Rio Grande do Norte. Desse Estado saiu a primeira prefeita do Brasil e da América do Sul: Luiza Alzira Teixeira Soriano (1896-1963), eleita no dia 2 de setembro de 1928 com 60% dos votos válidos do município de Lajes.

Meses antes da eleição, mais precisamente no dia 12 de maio 1928, o jornal Folha da Manhã publicou o seguinte:

 

O feminismo continua a sua propaganda.

Hoje, a cidade assistiu a um interessante e inédito acontecimento. Distinctas senhoras, que fazem parte proeminente da diretoria da “Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”, voaram sobre a cidade em aeroplano, distribuindo cartões postaes e manifestos de propaganda do voto feminino.

Foram as sras. Bertha Lutz, sua brilhante presidente, d. Maria Amália Bastos, primeira secretária e dra. Carmen Velloso Portinho, thesoureira.

Um dos postaes tinha os seguintes dizeres:

“As mulheres já podem votar em trinta paizes e um Estado brasileiro porque não hão de votar em todo o Brasil?

Paizes nos quaes as mulheres exercem direitos eleitoraes: Allemanha, Argentina (S.Juan), Austrália, Áustria. Bélgica, Birmânia, Canadá…”

 

A bióloga Bertha Lutz (1894-1976) foi uma espécie de Leolinda Daltro. Filha da enfermeira Amy Lower e do cientista Adolfo Lutz, chegou a ocupar o cargo de deputada constituinte em 1936, como vice na chapa de Cândido Pessoa, que morrera nesse mesmo ano.

A primeira deputada federal eleita pelo voto popular foi Carlota Pereira de Queirós (1892-1982), em 1934.

Nascida em 1893, Gilka foi uma mulher pobre e negra. Depois de perder o marido e ficar incumbida de manter dois filhos, passou a manter-se como diarista na Central do Brasil. Morreu em 1980. É dela o poema Ânsia Múltipla:

 

Gilka Machado

Beija-me Amor,

beija-me sempre e mais e muito mais,

– em minha boca esperam outras bocas

os beijos deliciosos que me dás!

 

Beija-me ainda,

ainda mais!

Em mim sempre acharás

à tua vinda

ternuras virginais.

 

Beija-me mais, põe o mais cálido calor

nos beijos que me deres,

pois viva em mim a alma de todas as mulheres

que morreram sem amor!…

 

Mário de Andrade

Curiosidade: Mário de Andrade nasceu no mesmo ano em que nasceu Gilka e morreu em 1945. Na sua obra o erotismo é algo muito presente. Macunaíma, por exemplo, tem no personagem-título um diletante do sexo incurável, insaciável, chegando a possuir até a mulher de um irmão. Era explícito, ao contrário do seu criador.

No decorrer de toda a sua vida, Mário ocultou com toda a discrição possível sua homossexualidade. Porém, em 2015, decisão da Controladoria Geral da União (CGU) quebrou o segredo autorizando a divulgação de uma carta em que o autor confirma o que já se suspeitava:

 

Mas em que podia ajuntar em grandeza ou milhoria pra nós ambos, pra você, ou pra mim, comentarmos e eu elucidar você sobre a minha tão falada (pelos outros) homossexualidade? Em nada. Valia de alguma coisa eu mostrar o muito de exagero que há nessas contínuas conversas sociais? Não adiantava nada pra você que não é indivíduo de intrigas sociais. Pra você me defender dos outros? Não adiantava nada pra mim porquê em toda vida tem duas vidas, a social e a particular, na particular isso só me interessa a mim e na social você não conseguia evitar a socialisão absolutamente desprezível duma verdade inicial. Quanto a mim pessoalmente, num caso tão decisivo pra minha vida particular como isso é, creio que você está seguro que um indivíduo estudioso e observador como eu, ha-de estar bem inteirado do assunto, ha-de te-lo bem catalogado e especificado, ha-de ter tudo ‘normalisado’ em si, si é que posso me servir de ‘normalisar’ neste caso. Tanto mais, Manú, que o ridículo dos socializadores da minha vida particular é enorme. Note as incongruências e contradições em que caem. O caso da ‘Maria’ não é típico? Me dão todos os vícios que, por ignorância ou por interesse de intriga, são por eles considerados ridículos e no entanto assim que fiz duma realidade penosa a ‘Maria’, não teve nenhum que não [palavra não estava riscada no original] caçoasse falando que aquilo era idealização pra desencaminhar os que me acreditavam nem sei o quê, mas todos falaram que era fulana de tal.

 

Mas si agora toco neste assunto em que me porto com absoluta e elegante discrição social, tão absoluta que sou incapaz de convidar um companheiro daqui, a sair sozinho comigo na rua (veja como eu tenho a minha vida mais regulada que máquina de previsão) e si saio com alguém é porquê se poderia tirar dele um argumento para explicar minhas amizades platônicas, só minhas. Ah, Manú, disso só eu mesmo posso falar, e me deixe que ao menos pra você, com quem apesar das delicadezas da nossa amizade, sou duma sinceridade absoluta, me deixe afirmar que não tenho nenhum sequestro não. Os sequestros num caso como este onde o físico que é burro e nunca se esconde entra em linha de conta como argumento decisivo, os sequestros são impossíveis.

 

Eis aí uns pensamentos jogados no papel sem conclusão nem sequência. Faça deles o que quiser.

 

Mário de Andrade foi um dos artífices da Semana de 22, junto com o pintor Di Cavalcanti (1897-1976) e Oswald de Andrade (1890-1954).

Não custa aqui retirar da gaveta a história de um conto intitulado Frederico Paciência, que Mário escreveu e reescreveu no decorrer de 18 anos. Trata da história de dois jovens amigos. Amizade ambígua. Pra Juca, Frederico é o seu homem.

Di Cavalcanti entrou na história das artes plásticas como “o pintor das mulatas”.

Sobre o erotismo na obra de Mário, foi publicado em 2022 o livro Seleta Erótica de Mário de Andrade, organizado por Eliane Robert Moraes. Tem oito partes.

Oswald foi casado com a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973), que a traiu e dela se separou para juntar-se a Patrícia Rehder Galvão, a Pagu. Mulher politicamente antenada e bem relacionada com artistas da sua época. Polêmica.

Oswald de Andrade era filho de uma irmã de Inglês de Sousa: Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade.

 


Foto e Ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333

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