Por Assis Ângelo
O alagoano de Tanque D’Arca Audálio Dantas (1929-2018), que marcou época na Folha de S.Paulo e na extinta revista Realidade, escrevia e fotografava muito bem. Escreveu de tudo ou de um tudo como costumava dizer. Cobriu o lançamento do livro Grande Sertão: Veredas numa livraria do centro da Capital paulista, em 1956. Tentou entrevistar o autor, Guimarães Rosa, mas “ele estava mais interessado em paquerar uma jovem admiradora e não falar com repórter”, lembrou rindo.
Escreveu e publicou vários livros. Também participou de coletâneas como Corpos: Contos Eróticos, 2001. Esse livro se inicia com um conto seu intitulado Sob o Sol da Manhã.
É a história de um homem e de uma mulher se masturbando, sem que ela o veja no seu ato de prazer solitário.
Ela, uma dondoca, tomando banho numa banheira de seu apartamento, e ele, um limpador de vidraças, pendurado num banquinho a muitos metros do chão.
Nesse livro também há textos de Fernando Bonassi, Mouzar Benedito, Moacyr Scliar e outros.
O autor de Grande Sertão: Veredas gostava muito de abordar essa temática. Exemplo disso são os personagens Riobaldo e Diadorim e raparigas que alegram os machos do romance.
A identidade feminina de Diadorim só é descoberta quando morre, com o corpo cheio de balas durante um tiroteio entre jagunços.
Bom de se ler e também cheio de erotismo é o livro Corpo de Baile, especialmente o último conto, intitulado Buriti.
E quem não leu ainda é tempo de ler A Hora e Vez de Augusto Matraga. O protagonista é do tipo pernóstico, prepotente e que judia de todo mundo. Provoca brigas e é chegado a tomar a mulher dos outros. Uma hora cai em desgraça, é quando a porca torce o rabo. A mulher dele vai-se embora com outro e a filha Mimita cai na vida. Virou filme com trilha sonora de Vandré.
A Hora e Vez de Augusto Matraga é o último dos nove contos que encerra o livro Sagarana, o primeiro de Rosa, publicado em 1946.
O penúltimo conto de Sagarana é Conversa de Bois.
Conversa de Bois foi originalmente escrito em 1937 e incluído num livro de contos apresentado no concurso literário Humberto de Campos, em 1938. Ficou em segundo lugar, perdendo apenas por um voto para Luís Jardim.
O conto Conversa de Bois é uma história do tempo em que bichos falavam.
O carreiro da história, Agenor Soronho, é um cara chato, brabo, metido a besta e amante da mulher de um amigo seu, que morre lascado e cego. O corpo é transportado num carro de boi carregado de rapadura. O guia do carro é um menino, um pedacinho de gente como diz o autor, chamado Tiãozinho. Tinha ali uns 9 ou 10 anos. Estava triste, pois sobre o carregamento de rapadura achava-se o corpo de seu pai, Jenuário.
Os bois à frente do carro, Buscapé e Namorado, captam a tristeza de Tiãozinho, que consigo mesmo matuta: se eu fosse grande, eu vingaria meu pai…
Era comum antigamente dar-se nome aos bois. No caso aqui, os bois tocados por Agenor tinham por nome Capitão e Brabagato, Dançador e Brilhante, Realejo e Canindé, além dos dois primeiros já citados.
E desse conto não vou dizer o final. Nem amarrado!
O que posso dizer, e que pouca gente sabe, é que Guimarães Rosa chegou a escrever e a publicar histórias com contexto policial. Mais: também chegou a escrever e a publicar em jornais poemas com rima e tudo mais. Aliás, o compositor Téo Azevedo chegou até a musicar alguns poemas de Rosa espalhados na sua rica bibliografia.
Poderíamos até dizer que a prosa de Rosa é pura poesia, certo?
Bom, não custa lembrar que Audálio foi conterrâneo do escritor Graciliano Ramos e sobre ele publicou dois livros: A Infância de Graciliano Ramos (2011) e O Chão de Graciliano (2007), feito em parceria com o fotógrafo Tiago Santana.
Graciliano escreveu pouco sobre temas eróticos. Pouco, mas não tão pouco assim.
Os seus três primeiros romances foram Caetés (1933), São Bernardo (1934) e Angústia (1936).
No primeiro, um empregado se apaixona pela mulher do patrão. Termina em sangue.
No segundo, que também termina em sangue, o protagonista é um menino adotado por uma doceira. Cresce e conhece uma jovem com quem passa a ter relações. Surge na parada um Ricardão, que cai nas graças da moçoila. Nervoso, o protagonista comete o primeiro crime e vai parar na cadeia. Ao sair, vira uma espécie de “coroné” prepotente e coisa e tal. Ao casar-se, quer dominar a esposa, mas não consegue. O ciúme o corrói. Ao fim e ao cabo, a mulher se suicida.
No terceiro livro, Angústia, o personagem central, Luís da Silva, um pobre diabo, apaixona-se pela vizinha Marina. Chega a noivar, mas aí entra na história um bambambã bonitão e cheio de grana… Luís entra em desespero ao flagrar a sua amada com o rival. Num segundo, agiganta-se e devorado pelo ciúme dá fim ao adversário. E pronto.
Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora
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