Por Assis Ângelo
Viúvos e viúvas abundam na literatura nacional e estrangeira. Não são poucos os autores que criam esses personagens. Nesse campo, Machado de Assis deitou e rolou. No seu último livro, ele põe um viúvo e uma viúva no romance Memorial de Aires (1908).
Aires, depois de se aposentar e de perder a mulher, decide contar a sua própria história num diário. E vai, vai e chegam na sua vida a viuvinha Fidélia e um jovem que ao vê-la logo se apaixona. E é correspondido, para tristeza do velho conselheiro.
Viúvos e viúvas aparecem bastante nos escritos de Machado, como se vê.
É dele a história curiosíssima que conta em O Caso da Viúva. Nesse conto, o pai da personagem Luísa, viúvo, mora com uma irmã, também viúva. Luísa, muito recatada, faz tudo o que o pai pede e vice-versa. É aí que aparece um tal de Dr. Rochinha, ou simplesmente Rochinha. Em seguida, mais um cara: Vieira. Com Vieira ela se casa, pra desencanto de Rochinha. Mas Vieira morre e Luísa fica viúva…
Também é de Machado o conto Confissões de Uma Viúva Moça. Nessa história a viúva atende pelo nome de Eugênia. Antes de o marido falecer, a personagem estica olhares para o moço Emílio. E vai, vai, vai… De repente Eugênia descobre que Emílio é um canalha. E mais não digo.
E não custa lembrar que o Bruxo do Cosme-Velho, como era chamado na intimidade Machado de Assis, ficou viúvo depois de 35 anos de casado com a mulher a quem tanto amava: Carolina.
Ele não era brinquedo, não. E foi não foi, lá vem ele sempre surpreendendo os leitores. Enganando, às vezes.
No conto A Mulher de Preto ele dá um nó no leitor. De cara pensamos que essa mulher é uma viúva, pois trajada costuma andar de preto. E não é viúva de ninguém, apenas o seguinte: o marido Menezes, um deputado, desconfia que ela o traía.
Num momento qualquer desse conto de 11 capítulos aparece um médico chamado Estevão, tem 24 anos e apaixona-se pela tal mulher de preto. Hmmm… Nada digo mais.
A sempre extraordinária Júlia Lopes de Almeida nos encanta já no seu primeiro livro, Memórias de Martha. Nele, a Martha do título é filha de outra Martha, essa viúva. Sofreu com a acusação de roubo que o marido sofreu. Acusação injusta, mas que levou o marido de dona Martha ao suicídio.
A personagem narradora desse livro, de pouco mais de 100 páginas, é a filha do pai suicida. Ela conta todas as dificuldades que ela e a mãe passaram depois da tragédia. As duas deixaram a casa onde moravam e, sem escapatória, foram habitar um cortiço. Sofreram muito. Preparem o lenço, pois a história leva as almas mais sensíveis às lágrimas.
Memórias de Martha foi originalmente publicado em capítulos no jornal Tribuna Liberal, do Rio de Janeiro, entre 3 de dezembro de 1888 e 17 de janeiro de 1889. Em livro saiu exatamente dez anos depois.
Em Memorial de Maria Moura (1992), da cearense Rachel de Queiroz, a personagem do título encontra a mãe pendurada numa corda, morta, e se desespera. Uma das razões de seu desespero é o fato de que as terras que herda estão sendo tomadas por familiares, incluindo o padrasto Irineu, que a estupra. A heroína sofre e vai-se embora construindo seu destino recheada de ódio, perseguição e violência. Poder-se-ia até dizer que Moura é a versão feminina do rei do cangaço, Lampião.
Memorial de Maria Moura foi o último livro de Rachel. Livraço!
Em 1982, o português José Saramago passou a ser mundialmente conhecido por seu magnífico romance Memorial do Convento. A história se passa na primeira metade do século 18, no decorrer do reinado de João V.
Esse João era metido, vaidoso, galante e tudo mais. Casou-se por procuração com a Maria Ana de Áustria, mulher nascida para rezar e parir. Deu seis filhos ao rei.
Além dos filhos que a rainha lhe deu, o rei teve muitos outros filhos com amantes diversas. Entre elas, uma certa freira que foi por ele embuxada todas as vezes.
O rei faz uma promessa de construir um grande convento caso a sua querida esposa lhe desse filho no prazo de um ano. Deu-lhe uma menina: Marina Xavier. A partir daí, a história segue a passos largos com personagens reais.
Sobre essa figurinha poderosa de Portugal há um livro que merece leitura: As Amantes do Rei João V, do escritor portuense Alberto Pimentel (1849-1925).
Pouco ficcional é o personagem Baltasar, que perde a mão esquerda em guerra na Espanha. Abandonado pelo exército, o personagem volta pra casa e um dia encontra uma mulher de nome Blimunda.
Blimunda, filha de uma mulher posta pra correr pelo Santo Ofício, é vidente. Ela vê o interior dos corpos humanos. É apelidada de Sete Luas e o seu Baltasar, de Sete Sóis.
Na parada entra também o brasileiro de Santos Bartolomeu de Gusmão (1685-1732). É padre, com passagem na Bahia. Foi o primeiro cientista e inventor cá desta nossa terrinha de meu Deus do céu. Entrou para a história como o Padre Voador.
Essa história de Saramago é maravilhosa.
A propósito de voador, há a história de um boi que voou durante a inauguração da Ponte do Recife, ora ainda chamada de Ponte Maurício de Nassau. Não é lenda.
Essa ponte foi inaugurada no dia 28 de fevereiro de 1644. Milhares de pessoas estiveram presentes e, como prometido, um boi empalhado foi visto nos ares de Recife.
Tal boi ganhou páginas de um livro do frei português Manuel Calado do Salvador (1584-1654). Título: O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade na Restauração de Pernambuco, lançado em 1648.
Frei Calado foi o confessor do alagoano Domingos Fernandes Calabar (1609-1635), acusado de trair a Pátria em favor dos holandeses que invadiram o Brasil em 1630. Condenado, o acusado foi enforcado e o seu corpo esquartejado.
Em 1973, Chico Buarque e Ruy Guerra escreveram a peça Calabar − O Elogio da Traição. Essa peça foi censurada pelos milicos no dia 22 de janeiro de 1974.
O resto é história.
Reproduções por Flor Maria e Anna da Hora
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