Por Assis Ângelo
O Pecado, conto de Olavo Bilac, trata de uma jovem cheia de medo por ter cometido pecados cabeludos. Tinha de se confessar, de qualquer jeito, pra se sentir melhor. A caminho da igreja e do confessor, a jovem topa com uma amiga que vinha da igreja. Começa assim:
A Anacleta ia caminho da igreja, muito atrapalhada, pensando no modo porque havia de dizer ao confessor os seus pecados… Teria a coragem de tudo? E a pobre Anacleta tremia só com a ideia de contar a menor daquelas cousas ao severo padre Roxo, um padre terrível, cujo olhar de coruja punha um frio na alma da gente. E a desventurada ia quase chorando de desespero, quando, já perto da igreja, encontrou a comadre Rita.
Abraços, beijos… E lá ficam as duas, no meio da praça, ao sol, conversando.
− Venho da igreja, comadre Anacleta, venho da igreja… Lá me confessei com o padre Roxo, que é um santo homem…
− Ai! comadre! − gemeu a Anacleta − também para lá vou… e se soubesse com que medo! Nem sei se terei a ousadia de dizer os meus pecados… Aquele padre é tão rigoroso…
− Histórias, comadre, histórias! − exclamou a Rita − vá com confiança e verá que o padre Roxo não é tão mau como se diz…
− Mas é que meus pecados são grandes…
− E os meus então, filha? Olhe: disse-os todos e o Sr. padre Roxo me ouviu com toda a indulgência…
− Comadre Rita, todo o meu medo é da penitência que ele me há de impor, comadre Rita…
− Qual penitência, comadre?! − diz a outra, rindo − as penitências que ele impõe são tão brandas!… Quer saber? contei−lhe que ontem o José Ferrador me deu um beijo na boca… um grande pecado, não é verdade? Pois sabe a penitência que o padre Roxo me deu?… mandou−me ficar com a boca de molho na pia de água benta durante cinco minutos…
Bom, a obra de Olavo Bilac é sem dúvidas uma obra exemplar. Como exemplar também é a enorme obra do cearense Chico Anysio.
Chico foi humorista, ator, escritor e um monte de outras coisas. Deixou muitos livros publicados. Seus espetáculos levavam muita gente, que ria de tudo que ele dizia.
Num dos seus últimos stand-ups, Chico conta histórias de amor, sexo e palavrões. Era seu jeito, solto e sem firulas. Fez o povo mijar-se de rir quando começou dizendo que no seu tempo “era muito difícil comer gente”. E mais: “Era só puta ou empregada… Eu gosto de puta porque a puta não me reconhece no dia seguinte”. Disse também: “Eu tinha um Fiat Pulga, que é um carro mínimo, né? Quem tem pau grande não cabe nele…”.
Pois é, teve um tempo rico de autores e atores.
Chico Anysio criou mais de 200 personagens. Incluindo mulheres ditas da vida.
Casou-se várias vezes, inclusive com uma ex-ministra do governo Collor: Zélia Cardoso de Mello, que por sua vez teve um caso com o ex-senador Bernardo Cabral.
Chico foi quem foi, no humorismo desenvolvido de todas as formas.
Na poesia, como no teatro, são inúmeros os autores que abordam desde sempre o tema erótico, que a hipocrisia social teima em torcer o nariz.
O poeta paraibano Augusto dos Anjos não deixou de enveredar por tais trilhas. Os exemplos são muitos e bons, como esses que escreveu: Orgia, A Meretriz e o mais conhecido de todos: Versos Íntimos.
Houve um tempo em que o autor era chamado de O Poeta das Putas. A razão disso devia-se ao fato de ele ser declamado por tudo quanto era “mulher perdida”.
Aqui, um exemplo da escrita erótica do autor de Eu e Outras Poesias:
Ah! Por que monstruosíssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do ângulo diedro da parede,
A alma do homem polígamo e lascivo?!
Este lugar, moços do mundo, vêde:
É o grande bebedouro colectivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vêm matar a sede!
É o afrodístico leito do hetairismo,
A antecâmara lúbrica do abismo,
Em que é mister que o gênero humano entre,
Quando a promiscuidade aterradora
Matar a última força geradora
E comer o último óvulo do ventre!
Em 1982, Hilda Hilst lançou à praça o livro A Obscena Senhora D.
Nesse livro a narrativa é em primeira pessoa, e os desavisados ficam na dúvida de a quem de fato a autora se refere: a ela mesma ou à personagem do título.
No decorrer de toda a sua existência, Hilda Hilst provocou grandes polêmicas, ora falando mal de Deus e tudo mais. A sua boca era uma espécie de cachoeira de palavrões e a sua mente, um universo de fogo sem preconceitos.
Hilda era filha de um fazendeiro do interior paulista, da linhagem quatrocentona de Prado. Apolônio, que conheceu a futura esposa Bedecilda no Rio de Janeiro. Corria o ano de 1920. Ele voltou para a sua cidade, Jau, e Bedecilda logo depois foi à sua procura. Na cidade, começou a perguntar onde era possível achá-lo. Encontrou-o num bordel em Bauru.
Voltaram os dois às boas e logo se casaram. Ele não queria filho. Em 1930 nasce, pra seu desespero, Hilda.
No correr do tempo, Hilda conta que o pai largou a mãe quando ela tinha dois ou três anos de idade.
Essa história é longa; longa e acidentada. A própria Hilda chegou a revelar que o pai ficara louco e fora internado num hospício. Morreu em 1966. Revelou também que a mãe era uma doidivanas.
São muitos os textos em versos e prosa deixados por Hilda Hilst.
Aníbal Machado, que chegou a se esconder no pseudônimo Antônio Verde, é um nome pouco lembrado hoje em dia. Deixou boas coisas publicadas, entre elas o conto Viagem aos Seios de Duília. Trata de uma história que tem como protagonista o funcionário aposentado José Maria. Solteirão. Uma hora, esse José lembra-se da sua primeira namorada e resolve procurá-la nos cafundós do Judas, onde nasceu. Reencontra a amada, viúva, com uma porrada de filhos e netos nas costas. As dificuldades a deixaram velhinha, velhinha da Silva. Num determinado momento, o personagem dá no pé, arrependido de ter voltado ao passado. Virou filme, em 1964, mesmo ano em que aos 70 Aníbal morreu.
Reproduções de Flor Maria e Anna da Hora
Contatos pelos assisangelo@uol.com.br, http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333
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