* Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
A relação entre a imprensa e celebridades ou empresas nem sempre é fácil. Um lado busca novidades que atraiam audiência, enquanto o outro se ressente quando tais novidades não são aquelas que gostariam de tornar públicas.
No Reino Unido essa relação é ainda mais tensa por causa dos tabloides sensacionalistas, com tiragens elevadas à custa da exposição de famosos. Agora, essa tensão atingiu uma temperatura altíssima por causa de processos movidos pelo casal real Harry & Meghan contra jornais.
Meghan abriu ação contra The Mail on Sunday, pela publicação de trechos de uma carta dirigida ao pai, com quem tem uma querela desde que ele vazou fotos relacionadas ao casamento e acabou “desconvidado”. A fundamentação é o uso indevido de informações privadas, violação dos direitos de autor e desrespeito à Lei de Proteção de Dados.
Já os alvos do marido são The Sun e Daily Mirror, acusados de terem hackeado seu telefone. Ele divulgou ainda uma extensa carta aberta lamentando a postura dos jornais e relembrando a dramática experiência vivida por sua mãe, Diana, vítima do assédio da imprensa.
Embora reclamações da família real contra tabloides não sejam novidade, esse caso está sendo considerado um marco por ser a primeira vez que um de seus principais membros entra com um processo na Corte.
Brian Cathcart, professor especializado em assuntos de mídia, observou que os jornais acabam fazendo acordos prévios com quem os acusa de invasão de privacidade, pagando indenizações mas evitando o julgamento. Muita gente, segundo ele, prefere tal opção para evitar custos e riscos de um processo.
No caso de Harry, porém, essa possibilidade é remota. Ele declarou que qualquer valor obtido será destinado a instituições beneficentes. Isso pode estar deixando as organizações de mídia alarmadas, pois o interesse dele vai além de dinheiro. Um julgamento histórico.
Há controvérsia sobre os movimentos de Harry e Meghan. Críticos apontam que o casal estaria reagindo a más notícias provocadas por suas próprias ações. Alguns exemplos são a briga de Meghan com o pai, e a carta que escreveu – ambas verdadeiras. Ou as contradições do casal ao passear de jatinho enquanto prega medidas contra o aquecimento global (sobre o que falamos aqui em agosto).
Há ainda quem sustente que a privacidade exigida por Harry e Meghan não é devida, visto que a família real é sustentada com dinheiro do povo. Sob essa perspectiva, seriam inaceitáveis decisões como não apresentar o bebê após o nascimento nem fotos do batizado.
A ideia de tais críticos é que o povo que paga o subsídio – incluindo uma reforminha de mais de dois milhões de libras para adaptar a casa onde o casal mora – tem o direito de saber tudo sobre as vidas reais. Pelas páginas dos tablóides, claro.
Mas não se trata de ação orquestrada de toda a família real. Especulou-se que Harry teria surpreendido o Palácio de Buckingham com a ação contra os jornais. Não é de se admirar, pois tudo o que os Windsor não querem é exposição negativa que coloque em risco a própria monarquia.
A tese de voo solo de Harry é reforçada com as atitudes cada vez mais “normais” do irmão William. No último fim de semana, no meio da onda criada pelo processo contra os jornais, o futuro rei e a discreta Kate Middleton apareceram relaxados com os filhos assistindo a um jogo de futebol no meio do povo. Há meses, enquanto Harry voava de jato particular, William e Kate se deixaram fotografar carregando mochilas no embarque de um voo operado por uma companhia de baixo custo.
A mensagem que o Palácio parece tentar transmitir é de que é possível lidar com a suposta “invasão de privacidade”, desde que se faça a coisa certa. Com bom comportamento público, a cobertura é positiva. Lição básica de RP.
No entanto, as coisas podem não ser tão simples. Outra tese é que os ataques a Meghan decorrem do fato de ela ser filha de mãe negra, americana, ex-atriz e feminista. Racismo e discriminação social motivariam a caça por deslizes.
Os ataques disseminados por mídias sociais a ela começaram após o casamento, e Harry aponta isso na carta aberta. Em sua visão, as notícias publicadas pelos tabloides alimentam o bullying sofrido pela mulher, gerando matéria-prima para adversários nas mídias sociais.
Falta muito para as ações serem ser julgadas. Mas pode haver uma revisão nos procedimentos adotados pela imprensa britânica. Dessa vez, não se trata apenas de dinheiro, mas também do risco de condenações.