Por Eduardo Brito
Se perguntassem a um paraibano médio quem mandava no jornal O Norte, considerado o mais importante de João Pessoa, entre as décadas de 1970 e 1990, ele não teria dúvidas. Citaria o empresário Marconi Goes, pomposo procônsul estadual dos Diários Associados, império que àquela altura ainda controlava grandes veículos como o Correio Braziliense e o Estado de Minas, embora já desse claros sinais de declínio.
Além de O Norte, a sesmaria de Marconi Goes incluía o Diário da Borborema, que circulava em Campina Grande, pois Chateaubriand, ex-senador pela Paraíba, não cometeria o erro de esperar que a turma de Campina lesse jornais de João Pessoa e vice-versa. Os dois veículos, atrelados a três emissoras de rádio e duas de televisão, até tinham um faturamento razoável, mas o dinheiro não chegava aos veículos, enquanto Marconi levava uma vida nababesca. Isso, aliás, era do conhecimento dos outros condôminos que controlavam os Diários Associados.
Já quem conhecesse a mídia de João Pessoa responderia de outro jeito à questão. Diria que a pessoa mais influente no que se publicava em O Norte não era Marconi, nem os sucessivos pauteiros ou chefes de reportagem. Era o Cocada, senhor monopolista do único carro do jornal e motorista espertíssimo, como sói acontecer na mídia brasileira. Vivendo sempre à míngua, os mal pagos repórteres de O Norte seguiam para as matérias de ônibus – táxi era proibido e Uber ainda não existia – ou aglomerados no carro conduzido por Cocada.
Era do motorista a última palavra sobre as saídas – e, por conseguinte, das pautas que seriam efetivamente cumpridas pelos repórteres. Fingindo mau humor, ele exercia olimpicamente esse poder.
− Ir para onde? Para o outro lado da cidade? Não dá. Tenho agora de buscar a filha de Doutor Marconi no balé. E levar para casa. Isso se não tiver de buscar também a madame no cabeleireiro. Só se for depois de tudo.
Como os sucessivos chefes de Reportagem sabiam que essas missões parajornalísticas existiam mesmo, ficavam sem argumentos contra Cocada. Os repórteres que corressem para os ônibus… ou para os poucos telefones da Redação.
Baixo, com um olho bem mais baixo que o outro, Cocada provavelmente seria comparado hoje com Nestor Cerveró. Com tez bem morena e um grau todo especial de esperteza.
− Nesse chuvão, ir lá para um bairro pobre como o Cristo? Nem pensar. O carro vai ficar ilhado. Atolado no aguaceiro. Mas ir até lá para quê? Alagamento é alagamento, tudo igual. Só pegar uma foto no arquivo. Tá cheio dessas fotos por lá. E não se preocupe com as pessoas. Pobre é tudo igual também, eu que o diga. Pega uma foto qualquer e pronto. O repórter inventa umas entrevistas, fala que todo o bairro está parado, vai até a janela, descreve o que está vendo e pronto. Não vou tirar o carro, que está bem estacionado, para isso.
Mas não se pense que Cocada era simplesmente refratário a matérias jornalísticas. Pelo contrário, gostava de dar palpites. E gostava mais ainda quando a pauta era entrevista com autoridades. Seguia com os repórteres, estacionava, deixava-os começar a entrevista e então entrava na sala. Instalava-se ao lado do jornalista esperando uma chance. Aparecendo, engatava uma segunda marcha e tocava em frente.
− Seu secretário, vou aproveitar a imprensa aqui e fazer uma recomendação ao senhor. Poderia contratar fulano de tal, rapaz muito competente, amicíssimo de doutor Marconi? Ele ficaria muito bem aqui na sua secretaria, pode ajudar bastante. Qualquer salário serve.
Tendo falado do irmão, ou do primo, Cocada retirava-se triunfalmente. Com o repórter, a quem instruía para fazer uma matéria positiva, que daí talvez o emprego saísse. Doutor Marconi iria gostar muito.
Mas, como nem tudo que é bom dura muito, o reinado de Cocada se acabou. Os demais associados, sempre tolerantes com os colegas procônsules, acharam, até eles, que Marconi Goes tinha abusado demais. Ele foi destituído do cargo e da posição de condômino durante os anos 1990, o que até esse momento só tinha acontecido com dois outros manda-chuvas locais, ambos de São Paulo.
Paulo Cabral, presidente do Condomínio dos Associados mandou uma força-tarefa do Correio Braziliense para colocar ordem em O Norte. Depois, ela deu lugar a um novo diretor, também vindo do Correio. Garantiu-se a sobrevivência, mas por pouco tempo. As emissoras foram vendidas. Em 2012, O Norte e o Diário da Borborema deixaram de circular. Cocada também.
A história desta semana é novamente uma colaboração de Eduardo Brito, ex-Estadão, Jornal do Brasil, Correio Braziliense e Jornal de Brasília.
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