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quinta-feira, novembro 21, 2024

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Racismo: nem o passo atrás livra a BBC de arranhões em sua imagem

* Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia

Luciana Gurgel

A emissora pública britânica BBC tem sido alvejada por petardos como a migração da audiência para canais de streaming, críticas aos altos salários de suas estrelas e acusações de parcialidade na cobertura política – contra ou a favor do Governo, dependendo da opinião do freguês. Não bastasse tudo isso, acaba de se enredar numa enorme controvérsia sobre racismo.

O estopim foi a reprimenda pública determinada pela ECU (Editorial Complaints Unit) a Naga Munchetty, jornalista com ancestralidade indiana, por comentários sobre a manifestação de Donald Trump feita em julho sugerindo que opositoras democratas deveriam “voltar para o lugar de onde tinham vindo”, referindo-se aos países de origem de suas famílias.

O caso ultrapassou as fronteiras dos meios jornalísticos e ganhou a imprensa geral. A pressão foi tão grande que a BBC acabou compelida a voltar atrás. Mas a história provocou discussões sobre diversidade e imparcialidade que ainda devem render. 

Racismo no café da manhã – A simpática Naga Munchetty é uma das apresentadoras do descontraído noticiário matinal Breakfast. Frequentemente, os dois apresentadores comentam as notícias, sem roteiro. Seu companheiro de bancada naquele dia, Dan Walker, entabulou uma conversa sobre a experiência dela com racismo, no contexto da notícia que acabara de ser exibida sobre a fala do presidente americano.

Naga foi dura, como seria de se esperar, já que a declaração de Donald Trump escandalizou meio mundo. Mas nada diferente de tudo o que muita gente vinha falando sobre o caso. Tanto que foi registrada apenas uma reclamação de espectador sobre a forma como a jornalista se expressou.

Ainda assim, a ECU abriu uma análise. Na semana passada anunciou o veredito: ela não teria respeitado os princípios de imparcialidade da emissora, razão pela qual a reclamação foi parcialmente acatada.

Mesmo sem resultar em punição, o caldo entornou. Uma avalanche de críticas à BBC iniciou-se imediatamente, envolvendo estrelas da casa, jornalistas de outras emissoras, celebridades negras e políticos, como o líder da oposição Jeremy Corbyn, que tuitou declarando apoio a Munchetty e cobrando explicações da BBC.

Parlamentares escreveram a Tony Hall, diretor-geral da emissora, exigindo revisão do caso. Uma petição online foi aberta em desagravo à profissional. Sindicatos entraram na história.

Na sexta-feira (27/9), o jornal The Guardian trouxe uma carta aberta protestando contra a decisão, assinada por jornalistas e personalidades representando minorias étnicas. Segundo os signatários, o veredito teria sido motivado por discriminação.

Tese que ganhou corpo na segunda-feira (29/9), quando o mesmo The Guardian revelou que a reclamação que deu origem à análise envolvia também o colega que dividia a bancada com Munchetty e dialogou com ela no ar. No entanto, a BBC repreendeu apenas a ela, deixando de fora Dan Walker, homem e branco.

A ECU tentou se defender. Argumentou que, na troca de mensagens com o espectador que abriu a reclamação, a conversa acabou se concentrando na apresentadora, razão pela qual a reprimenda teria sido apenas contra Naga. Lendo-se o conteúdo obtido pelo The Guardian, porém, não parece haver dúvidas de que o autor referiu-se a ambos – e até começou o texto falando primeiro de Walker, e não de Munchetty. Uma trapalhada. 

No fim do dia, depois de quase uma semana sangrando, veio a capitulação. O diretor-geral mandou um e-mail aos funcionários informando que o veredito tinha sido revertido. Afirmou que a emissora não é imparcial sobre racismo, e que discorda da análise da comissão, por não ver impropriedade nas palavras da jornalista.

O episódio dá margem a discussões acerca de imparcialidade no jornalismo. Pode um jornalista expressar opinião diante de um tema tão óbvio, já que a própria ECU admitiu que a declaração de Donald Trump foi racista? Qual o limite aceitável para um comentário dessa natureza? O jornalista pode condenar a fala e não o seu autor? É legítimo elaborar sobre suas motivações?  E sendo o jornalista um âncora, e não um locutor, de quem é esperado que vá além da simples leitura de um texto pronto, seria errado expressar sua opinião pessoal sobre Donald Trump no contexto do racismo praticado?

Há ainda a questão do racismo e da discriminação no jornalismo. Nesse caso, dupla, já que envolveu uma mulher integrante de minoria étnica. Teria sido ela de fato julgada por sua condição e não somente pelo que falou?

Muito ainda deve se debater sobre esse caso. Mas não há dúvidas de que a admirável BBC saiu arranhada da história. E demorou demais a reagir.

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