Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Enquanto a Austrália direcionou sua regulamentação das mídias sociais para a remuneração de empresas jornalísticas pelo uso do conteúdo nas plataformas e o Brasil mira nas fake news, países como Reino Unido, França e EUA estão mais preocupados com o efeito das redes sobre o bem-estar de crianças e adolescentes, ecoando pesquisas e alertas feitos por organizações não-governamentais.

Estudos demonstrando esses riscos aparecem todos os dias, motivando campanhas como a do Center for Countering Digital Hate (CCDH). A ONG escalou a atriz de Hollywood Laura Linney para narrar um anúncio pressionando o Congresso dos EUA a legislar para proteger meninas do que chamam de “algoritmos agressivos”.

Um dos mais recentes trabalhos a examinar esse efeito foi realizado pela Associação Americana de Psicologia (APA) e publicado em fevereiro.

Os pesquisadores constataram que adolescentes e jovens que reduziram o uso de mídias sociais em 50% por algumas semanas tiveram uma melhora significativa em como se sentiam em relação ao peso e à aparência, em comparação com colegas que mantiveram seus níveis anteriores de uso de mídias sociais.

O experimento envolveu 220 estudantes de graduação de 17 a 25 anos (76% mulheres, 23% homens, 1% sem identificação de gênero), todos usuários regulares de mídia social (pelo menos duas horas por dia em seus smartphones), com sintomas de depressão ou ansiedade.

No início da pesquisa, eles responderam a uma série de afirmações sobre sua aparência (por exemplo, “estou muito feliz com a minha aparência”) e peso (por exemplo, “estou satisfeito com o meu peso”), em uma escala de 5 pontos.

Na primeira semana, os participantes foram instruídos a usar suas mídias sociais normalmente.

Nas três semanas seguintes, uma parte do grupo reduziu em aproximadamente 50% o tempo de conexão, para a média de 78 minutos por dia. Outra parte dos participantes manteve a média de 188 minutos de uso diário.

Os pesquisadores constataram que os que usaram menos as mídias sociais apresentaram melhora significativa na forma como consideravam sua aparência e peso corporal, em comparação com o grupo de controle, que não apresentou mudança significativa. O gênero não fez diferença nas respostas.

O autor principal do trabalho, Gary Goldfield, PhD, do Children’s Hospital of Eastern Ontario Research Institute, lembrou o que todos os que são ou já foram adolescentes sabem: “a adolescência é um período vulnerável para o desenvolvimento de problemas de imagem corporal, distúrbios alimentares e doenças mentais”.

O problema é o quanto isso está sendo agravado pelo impacto das mídias sociais, expondo adolescentes já vulneráveis a conteúdos que aprofundam inseguranças e os colocam diante de alternativas como dietas malucas ou mesmo suicídio.

O CCHD fez um alarme para esse risco em dezembro de 2022, em um relatório chamado Deadly by Design. Os pesquisadores do centro afirmam que novas contas configuradas por meninas de 13 anos no TikTok recebem recomendação de conteúdo relacionado a suicídio em 2,6 minutos e conteúdo sobre transtorno alimentar em 8 minutos.

Pode ser mais, pode ser menos. Mas é cada vez mais difícil ignorar que existe um problema, e que pouco está sendo feito para resolver.

Os especialistas criticam os controles das plataformas, mas há também a responsabilidade dos pais.

O Ofcom, órgão regulador de mídia britânico, divulgou uma pesquisa em outubro passado indicando que seis em cada dez crianças do país têm contas em mídia social, embora a idade mínima seja 13 anos. E dois terços contaram com a ajuda dos pais para configurá-las.

A atenção no Reino Unido para regulamentar a atividade de crianças e jovens nas redes é decorrente de um trauma. Em 2017, Molly Russel, de 17 anos, tirou a própria vida. Um inquérito comprovou a influência do conteúdo das redes na decisão.

Gostando-se ou não das redes sociais, elas são uma realidade. Regulamentar, assim como acontece na propaganda e no jornalismo, todos sujeitos a regras de conduta, não é pedir demais. Principalmente quando vidas estão em jogo.


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