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quinta-feira, novembro 21, 2024

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Se não há coerência do discurso com a prática, a sociedade cobra

Luciana Gurgel

* Por Luciana Gurgel, especial de Londres para o Portal dos Jornalistas

Não é fácil ser celebridade nos dias de hoje, com a avassaladora visibilidade proporcionada pelas redes sociais associada à cobrança por comportamento exemplar. Famosos e marcas têm sido questionados por atitudes que nem sempre se coadunam com a imagem que tentam transmitir.

No Reino Unido, a questão da vez entre os famosos diz respeito a como viajar. E colocou em lados opostos os dois meninos de ouro da coroa britânica, Harry e William, junto com suas esposas, que segundo as fofocas não se dão nada bem. Recentemente, Harry e Meghan mudaram-se do Palácio de Kensington e criaram suas próprias redes sociais, iniciando-se uma velada disputa por notoriedade.

Para aproveitar o verão, Harry seguiu para a França e a Espanha com Meghan e o bebê Archie em um jatinho particular. Nenhum problema, não fosse o simples fato de que os dois têm se posicionado como preocupados com a mudança climática, ao ponto de terem declarado a intenção de ter apenas mais um filho para colaborar com o futuro do planeta.

Meghan até que vinha bem na foto. Ganhara as manchetes como editora convidada da edição da Vogue de setembro, escolhendo para a capa mulheres que fazem a diferença em várias áreas, inclusive ambiental. E um dos entrevistados da revista foi justamente o Príncipe Harry, que expressou na conversa suas preocupações com o meio ambiente.

O desastrado voo provocou uma avalanche de críticas pelas redes sociais, e foi parar nas primeiras páginas. Na Europa, o movimento pela redução das viagens aéreas ganha cada vez mais força, chegando a ser chamado de flying shame, ou vergonha de voar. E os jatinhos são execrados por quem é contra o impacto dos aviões sobre o meio ambiente, por transportarem número reduzido de pessoas.

Dias depois, o cantor Elton John, chamado pela Imprensa de Sir Elton John, por ser Cavaleiro da Ordem do Império Britânico – saiu em defesa do casal real. Disse que pagou o voo, que fez compensação ambiental e justificou a iniciativa dizendo que ofereceu o avião para proporcionar ao casal (que passou alguns dias na casa do artista em Nice) proteção contra o assédio da imprensa durante as merecidas férias depois de um ano cheio de compromissos com atividades beneficentes.

Ele lembrou sua amizade com a Princesa Diana, mãe de Harry, e falou de sua preocupação com a invasão de privacidade que acabou sendo um tormento na vida dela.

Poderia até colar, não fosse o movimento do irmão, William, terceiro na linha de sucessão e com chances de um dia herdar a coroa caso seu pai, o Príncipe Charles (primeiro da fila), abdique em seu favor, ou se ele viver mais do que o futuro rei. No dia 22 de agosto, jornais estamparam a foto da família viajando para Balmoral, na Escócia, em um voo comercial da companhia de baixo custo Flybe, a £$ 73 por pessoa.

As comparações foram inevitáveis. Harry e Meghan visitando Ibiza e Nice a bordo de um jatinho, enquanto o irmão caminhava pela pista do aeroporto com a criançada carregando as mochilas, no estilo família normal. Passageiros relataram que ninguém os incomodou durante o voo, contradizendo a justificativa de Sir Elton para a gentil oferta do jatinho a Harry e Meghan.

Um outro exemplo de celebridade que abriu mão de voar foi a ativista adolescente sueca Greta Thunberg. Para participar de uma solenidade da ONU em Nova York, ela atravessa o Atlântico em um veleiro equipado com painéis de energia solar e outros recursos que reduzem o impacto ambiental.

A ideia parecia boa, mas logo surgiram críticas, quando foi revelado pela imprensa que uma tripulação terá que voar para Nova York para trazer o veleiro de volta, aumentando a pegada ambiental. E a atriz Emma Thompson entrou igualmente na berlinda ao viajar de avião para Londres a fim de integrar um protesto do grupo ambientalista Extinction Rebellion.

Tudo isso é discutível do ponto de vista prático. Afinal, um voo a mais ou a menos não vai destruir o planeta, dizem os que acusam os críticos de hipocrisia. E a presença dos famosos em protestos, eventos ou abrindo mão do avião seria um incentivo à conscientização pública.

Pode até ser. Mas esses casos são exemplos de um princípio fundamental da reputação pública, seja de empresas ou de pessoas: se não há coerência do discurso com a prática, a sociedade cobra. Em tempos de redes sociais, a cobrança é mais rápida e implacável. E não é todo mundo que tem um Sir Elton John à mão para ajudar a defender um passo discutível.

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