
Por Roberto Salim
“A São Paulo dos meus tempos, com a Praça da República, o Caetano de Campos, a Avenida São João e o Largo Paissandu, era muito mais charmosa. E reportagem era o que recheava um jornal”
Cheguei em casa e liguei para o Trajano no início da semana.
Fui contando que estive no prédio da Alameda Barão de Limeira onde em 1977 fazíamos o caderno de esportes da Folha de S.Paulo. Disse que não tem mais o Bar do Juvenal nem o bilhar nem o Hotel Jandaya.
Mas logo ele me cortou:
“O Ricardo Kotscho acabou de escrever sobre a volta dele ao prédio. Olha só que coincidência!”
Que coincidência e que saudade de uma história que durou até setembro de 1984.
Fui acertar de fazer uma reportagem e voltei com uma coluna para o Ultrajano.
Em um instante vieram à minha frente Gil Passarelli, Professor Nicolini, o fotógrafo Cacareco, o meu amigo Aroldo Chiorino, Jorge Araújo, Ubirajara Dettmar, José Roberto Malia, Alfredo Teixeira, Landão de Almeida, Colibri, Michel Laurence, Luizinho Nascimento, Dega Alves, seu Américo Mendes e uma série de histórias que vivemos juntos ali naquele pedaço durante oito anos da minha vida.
Tinha o Zé Roberto de Aquino, um repórter inacreditável.
Divertido.
Digno. E maluco.
“Orra, meu”, dizia ele com sua voz rouca.
Quando a gente descia para o Bar do Juvenal para tomar uma cervejinha, ele pedia um copo e berrava:
“Suja, suja com Fernet”.
Era pinga com Fernet.
Que ele tomava em um gole só.
Ali no Juvenal, nas noites de sexta-feira, o nosso conjunto tocava ao som do cavaco do Rubens Ribeiro, repórter, maestro e pianista do Piolin.
O bar lotava e era preciso baixar as portas.
Do outro lado da rua, eu costumava jogar bilhar com o Horácio Marana.
Nós dois jogávamos muito, mas muito… mal.
Mas quando a gente já não aguentava mais trabalhar, dava uma escapada, descia os quatro andares, atravessava a rua, subia as escadas ao lado da padaria, escolhia uma mesa e começava uma partida. Na verdade, mesmo, a gente ia tomar um Cynar com limão e comer uma porção de mortadela.
Éramos jovens.
A turma velha da Folha se reunia na Alameda Barão de Campinas.
Era o 308… onde a turma da “diretoria” bebia seu uísque, sua cerveja, comia, contava histórias e falava das matérias do dia seguinte.
Nós, os focas, apenas escutávamos… respeitosamente.
Discutia-se a política, a greve dos jornalistas e lamentava-se pelos fura-greves.
Quantas vezes esperávamos o jornal rodar para sair com ele nas mãos lá pelas duas da manhã.
Quando o dinheiro sobrava, a gente costumava sofisticar o lanchinho e a bebida e ia ao bar do Hotel Jandaya. Os donos davam 10% de desconto para a gente, até que um dia fomos proibidos de frequentar o local. Nas paredes existiam alguns enfeites indígenas: bordunas, arcos, tacapes e flechas.
E numa discussão, acho que entre Thomás (diagramador) e um outro amigo, a confusão se generalizou e tudo voou pelos ares.
Mas havia um monte de bares e até a pastelaria do chinês na Avenida São João. Quando eu ia embora para casa e esperava a condução no ponto (o velho Perdizes), rezava para o ônibus demorar. Assim, tinha tempo de comer pastel de palmito no chinês.
E quando a minha mulher saía do Diário Popular e dava tempo de jantar, a gente ia ao Restaurante do Papai comer um frango assado, na esquina da Duque de Caxias com a São João.
Depois, era pegar uma sessão de cinema no Comodoro ou no Cine Espacial, que tinha três telas. No Comodoro e sua tela gigante, assistia-se a E o vento levou. Assisti também a Terremoto.
Pois é, quando saí do prédio da Folha no começo desta semana e fui caminhando até a Avenida São João, não vi mais o Bar do Juvenal nem a Padaria nem o Hotel Jandaya nem o prédio em que minha tia Ema morava na Duque de Caxias – o edifício está abandonado, com uma placa de “aluga-se”.
A cidade parece meio abandonada.
A pastelaria não existe mais.
Nem o Cine Espacial nem o Comodoro.
Quando peguei o táxi e o motorista veio conversando comigo, ele falou também da saudade dos velhos tempos.
“Eu era office-boy e frequentava tudo aqui na cidade. Gostava de cinema e lembro que vim assistir a Indiana Jones no templo da perdição. Quando o filme acabou, os donos do Comodoro disseram que aquela tinha sido a última sessão e o cinema iria fechar suas portas. Deram vinho e pipoca. E nunca mais teve filme aqui”.
“Uma pena”, falei para o motorista.
A São Paulo dos meus tempos, com a Praça da República, o Caetano de Campos, a Avenida São João e o Largo Paissandu, era muito mais charmosa.
E reportagem era o que recheava um jornal.
Lembro que sob as ordens do José Roberto Malia e do José Trajano cobri Campeonato Paulista de Palitinho, com mais de mil participantes, entrevistei o cavalo favorito do GP Brasil, cobri a Copa da Espanha e fui testemunha da Tragédia do Sarriá. Cobri também Fórmula 1 na velha pista de Interlagos, que era cercada por uma favela onde havia até criação de cavalos e vacas.
Como disse em algum dos parágrafos anteriores: éramos jovens.
Tudo era alegria. E luta.
Veio a Campanha das Diretas Já.
E todos nós repórteres queríamos ser como o Ricardo Kotscho.
Ele sempre foi um exemplo, uma meta para a nossa geração.
Como escrevia, como fuçava, como descobria, como tinha fontes!
E tem.

Nunca trabalhei com ele diretamente, mas os deuses do jornalismo me deram de presente um parceiro da família: o Ronaldo Kotscho, irmão do meu-nosso ídolo.
E durante anos trabalhei com ele na Placar, no SBT e na ESPN Brasil.
E eles têm o tal do jornalismo no sangue.
Ninguém conhece o Brasil como o Alemão, como também é conhecido o Ronaldo – premiado diversas vezes por suas fotos e reportagens de denúncia, como a que fez na Placar ao lado do Sérgio Martins, sob o comando do Juca Kfouri.
Sorte minha.
Sorte dos leitores.

Reproduzimos nesta edição, com a autorização de José Trajano, artigo que o repórter esportivo Roberto Salim (ex-Placar, Folha de S.Paulo e ESPN, entre outros) publicou no Ultrajano em 5 de março passado.
Tem alguma história de redação interessante para contar? Mande para baroncelli@jornalistasecia.com.br.