Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
Enquanto países que já controlaram a Covid-19 temem a “segunda onda”, outros ainda vivem o drama de contabilizar vidas perdidas e prejuízos à economia. Em comum, todos apostam na vacina contra o coronavírus para dar fim ao pesadelo.
Mas pode não ser tão simples, se os movimentos antivacina conseguirem afetar a contenção da doença. Essa preocupação motivou um estudo da empresa FTIConsulting a respeito de riscos à saúde pública global advindos da disseminação de informações falsas sobre imunização nas redes sociais.
O relatório lembra que teorias conspiratórias envolvendo vacinas não são novidade, mas observa que as redes sociais asseguram condições inigualáveis para a proliferação delas. A fim de avaliar os riscos potenciais, a consultoria tomou como referência a onda de desinformação a respeito da vacina tríplice viral (ou MMR, contra sarampo, rubéola e caxumba). E projetou um cenário preocupante para a imunização contra o coronavirus.
O curioso é que as fake news sobre a MMR tiveram origem sólida. Espalharam-se a partir de um estudo publicado em 1999 na respeitada The Lancet, fonte de referência para cientistas e jornalistas, que associava a vacina ao autismo.
Depois muita controvérsia a publicação retirou o artigo. Seu autor teve a licença cassada. Mas isso foi apenas em 2010, quando os boatos já tinham se espalhado o suficiente para impactar a saúde pública em vários países.
O estudo da FTI Consulting assegura que as notícias sem fundamento causaram queda de 94% para 90% na cobertura vacinatória no Reino Unido entre 2013 e 2019. Os pesquisadores empregaram modelos matemáticos e estatísticas oficiais para isolar outros fatores capazes de influenciar redução, comprovando que as informações falsas desempenharem papel central na decisão de pais não imunizarem os filhos.
A conclusão da FTI é que ideias transmitidas pelas redes sociais afetam o comportamento humano, podendo impactar a saúde pública na vida real. No caso do coronavírus, pessoas podem se recusar a tomar a vacina quando estiver disponível, permitindo que a doença continue a fazer vítimas.
A consultoria conclama os indivíduos a terem cuidado com o que criam e compartilham. E chama as redes sociais à responsabilidade de conter a desinformação. Por fim, aborda a adoção de controles legais sobre as mídias sociais.
Editores ou plataformas de compartilhamento? − Embora o coronavírus tenha motivado algumas redes a agir rápido para remover conteúdo falso, o posicionamento das plataformas digitais continua o mesmo. Sustentam que não são editores como a mídia tradicional, e sim ambientes para partilhar material feito pelos usuários, sendo esse o foco do debate sobre mecanismos de controle.
A boa notícia é que o trabalho feito por meios de comunicação e entidades dedicadas a combater as fake news parece estar sendo eficaz para conscientizar o público sobre os riscos de acreditar em tudo o que chega pelas redes. A seriedade da pandemia pode estar contribuindo, como registram pesquisas.
Uma das mais notórias, sobre a qual falamos aqui, foi feita pela empresa GlobalWebIndex. Indicou que, mesmo figurando como fonte de informação sobre a doença para 47% dos respondentes, as redes sociais alcançaram somente 14% no quesito confiança, o maior gap entre uso e credibilidade.
Todos são responsáveis − É um caminho fácil crucificar as plataformas digitais. Porém, não são as únicas vilãs.
O episódio envolvendo The Lancet acaba de se repetir, com a inacreditável história do artigo científico publicado em maio mostrando riscos cardíacos para pacientes tratados com hidroxicloroquina. Foi removido diante de questionamentos sobre a metodologia por parte do The Guardian depois de ter sido usado até pela OMS para fundamentar a recomendação de suspender o uso da substância.
Responsabilidade e cuidado quando se trata de saúde precisam valer para todo mundo.