Por Luciana Gurgel 

Na terra de Shakespeare, a nova questão que divide a sociedade tem sido tratada pela mídia com um bordão inspirado em uma frase de Hamlet: To mask or not to mask?

A polêmica começou no domingo, quando o governo britânico anunciou a intenção de suspender todas as medidas de isolamento social a partir de 19 de julho, inclusive o uso de máscaras em qualquer lugar. E adotou um discurso ambíguo, que desencadeou o debate que se seguiu: sai o controle estatal, entra o bom senso de cada um.

Ou seja: quem quiser usar máscara ou continuar praticando o distanciamento pode fazê-lo. Mas não vai ser por obrigação.

A notícia sobre a morte das máscaras foi dada por um secretário nacional do gabinete de Boris Johnson em um programa na Sky News. Robert Jenrick, responsável pela pasta de Habitação, falava em nome do governo, mas deu sua posição pessoal sobre as máscaras: “Ninguém gosta de usá-las”.

A queda da obrigatoriedade foi confirmada pelo primeiro-ministro em uma entrevista coletiva no dia seguinte. Médicos e entidades reprovaram a decisão. Políticos se dividiram.

Mais do que uma questão médica, a situação é ium problema de comunicação. O governo não afirmou categoricamente que as máscaras são inúteis. Mas também não obriga seu uso, nem recomenda oficialmente, deixando um vácuo no que muitos esperam ser o papel do Estado: criar regras para o funcionamento da sociedade.

Isso deixou muita gente no limbo, como empresas sem saberem se obrigarão o uso em suas dependências e como fazer para que o público respeite, já que vai deixar de ser lei.

A pergunta recorrente em entrevistas passou a ser: “Você vai usar máscara mesmo quando não precisar?”.

Virou um teste de personalidade e de ideologia, com a resposta indicando se a pessoa é conservadora, progressista, a favor da liberdade individual ou adepta do controle do estado sobre os cidadãos.

O temor é que a partir de agora quem usar máscara seja ridicularizado ou receba olhares de reprovação. Para piorar, nessa quarta-feira (7/7) foi anunciada outra mudança: o adiamento da abertura total por mais seis semanas, aumentando a incerteza que emerge quando o discurso público é marcado por idas e vindas.

Sociedade dividida

O dilema shakesperiano é mais uma divisão em uma sociedade já dividida, sobretudo desde o Brexit.

Para quem acha que exagero, uma pesquisa divulgada esta semana por Frank Luntz, um dos maiores especialistas globais em linguagem política e comunicação, revelou que o Reino Unido não é tão polarizado quanto os Estados Unidos. Mas deixou de ser a nação unida pelos mesmos valores que era no passado.

O estudo mostrou que 29% dos britânicos deixaram de falar com alguém por discordância política. E que a preocupação com o comportamento woke (politicamente correto) é a terceira mais importante dentre 18 questões ideológicas apresentadas aos entrevistados, perdendo apenas para racismo e fundamentalismo religioso.

A cultura do cancelamento também é vista com preocupação. Para 39%, ela é negativa porque impede a liberdade de expressão e discussão honesta sobre questões sociais. E 64% acham que ela foi longe demais, impedindo as pessoas de manifestarem opiniões sem temer consequências.

Nesse ambiente, não é fora da realidade o “climão” entre os que abandonarão a máscara e os que terão coragem de usá-la mesmo com olhares enviesados.

Essa divisão não é apenas sobre uso de um pedaço de tecido cobrindo o nariz e a boca. Ela expõe a visão da sociedade sobre o governo e os políticos.

O excesso de controle e de influência estatal apareceu como preocupação principal para os britânicos dentre sete opções, à frente do medo de o país perder relevância global; da influência da tecnologia sobre a vida; e da dificuldade de economizar para o futuro.

Desde a invenção do biquíni, um pedacinho de pano não causava tanta polêmica.

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