Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Marcas e corporações que se achavam protegidas de má percepção e ataques de ativistas por serem exemplares na aplicação dos princípios ESG ganharam um motivo para se preocupar: o movimento contra o “politicamente correto”, que está ficando mais organizado e agressivo.

Na semana passada, uma associação de consumidores de extrema-direita lançou nos EUA o Woke Alert, um serviço de mensagens em que os inscritos recebem informes sobre corporações que apoiem iniciativas classificadas como de extrema-esquerda.

Woke (acordado, na tradução literal) é a palavra usada para definir de forma pejorativa o comportamento politicamente correto, visto por uma parte da sociedade como exagerado e desnecessário.

A proposta é contestar e boicotar corporações que estejam “colocando ativistas progressistas e suas agendas perigosas antes dos interesses dos consumidores”, diz o slogan.

O julgamento de que empresas e marcas são essas será feito pela Consumers Research, criada em 1929. Ela se apresenta como organização educacional cuja missão é “aumentar o conhecimento e a compreensão de questões, políticas, produtos e serviços de interesse dos consumidores e promover a liberdade de agir com base nesse conhecimento e compreensão”.

No caso, o conhecimento e compreensão seguem uma linha de pensamento clara: é “woke”, por exemplo, dar voz a pessoas LGBTQIA+, colaborando para que sejam aceitas sem preconceitos.

O lançamento do Woke Alert pegou carona na crise da Bud Light, que contratou uma pessoa trans, Dylan Mulvaney, com 1,8 milhão de seguidores no Instagram e 10 milhões no TikTok, para uma campanha que se revelou desastrosa para a imagem e para os negócios.

Mulvaney postou um vídeo em que mostra uma lata de Bud Light com sua imagem estampada e diz ter recebido “o melhor presente de todos”.

A ação era para promover a Bud durante o torneio de basquete March Madness − só que a loucura acabou sendo a onda negativa contra a marca.

Postagens de pessoas jogando embalagens da cerveja no lixo ou amassando-as se multiplicaram nas redes. A holding Anheuser-Busch perdeu US$ 5 bilhões no valor de marca após o episódio.

Os danos da ação da Bud irão respingar sobre outras empresas, que a partir do lançamento do Woke Alert ficarão vulneráveis a boicotes e campanhas em mídia social.

A segunda vítima de um alerta foi o whisky Jack Daniels, por uma campanha publicitária de 2021 estrelada por drag queens. O texto desse alerta menciona ainda a Nike como uma das que “tentam agradar os ativistas ‘woke’ diante do público americano cada vez mais confuso sobre gênero”.

A Bud sentiu o golpe, e tenta reverter os prejuízos com uma nova campanha, fundamentada em imagens icônicas para os americanos: um cavalo selvagem percorrendo cenários típicos da América.

Se vai funcionar para recuperar sua imagem no mundo dos conservadores, o tempo dirá.

Mas a porteira de um sistema organizado para canalizar insatisfações com o politicamente correto e punir marcas que adotam práticas ou fazem campanhas desagradam os mais conservadores foi aberta pela Consumer Research. E pode servir de inspiração para outras iniciativas.

Baseada em Washington, a ONG é presidida por Will Hild, advogado com experiência em políticas públicas. Segundo o site Axios, o Woke Alert está sendo lançado com investimentos de “centenas de milhões de dólares”.

Ele disse ao Axios acreditar que as empresas devem se concentrar em seus clientes, “e não em políticos ‘woke’ e ativistas progressistas”.

Além de fazer barulho, a Consumer Reach atua em nível legislativo. O site tem um “rastreador de legislação ESG”, apontando o dedo para estados que aprovaram leis sobre meio ambiente, diversidade e governança.

Parece absurdo, mas está acontecendo. E pode influenciar corporações a retrocederem em políticas ou campanhas que coloquem em risco o bottom line, sob pressão de acionistas ou conselheiros.

Um efeito lamentável aos olhos dos que acreditam em uma sociedade mais justa e inclusiva − e acha que as corporações são parte da equação para chegar lá.


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